O Estado de S. Paulo

jornal O Estado de S. Paulo, Caderno 2, 4 de junho de 1997

Livro e CD-ROM recontam passado do país

Depois de dois anos e meio de pesquisas e consultas a 7 mil obras, o jornalista e historiador Jorge Caldeira está lançando seu mais novo trabalho, uma versão diferente dos fatos ensinados nas escolas.

Beatriz Velloso

O Brasil não foi feito pela elite, foi feito pelas pessoas. Há dois anos e meio, o jornalista e historiador Jorge Caldeira mergulhou numa pesquisa quase insana sobre a história do País, porque queria contá-la de uma maneira diferente daquela que todos aprendemos no colégio. O resultado dos trabalhos chega às livrarias hoje, num formato também diferente: Viagem pela História do Brasil é um pacote que inclui livro e CD-ROM (Companhia das Letras, R$ 65,00 — o livro sozinho, que faz uma espécie de resumo do CD-ROM, custa R$ 23,00).

Viagem pela História do Brasil virou também um site na Internet: www.historiadobrasil.com.br, que já pode ser acessado. Caldeira, autor de Mauá: Empresário do Império, conta que a nossa história é tão movimentada e aventurosa que fica praticamente impossível acomodar tanta coisa num livro. Sua obra abrange um período que começa há cerca de 20 mil anos, quando dos primeiros indícios de ocupação humana por aqui, e chega até o fim da ditadura militar, em 1984.

A pesquisa e os textos foram feitos em parceria entre Caldeira e o também historiador Sérgio Goes de Paula. "Apesar de estarmos envolvidos com esse projeto há dois anos e meio, Sérgio estuda história há uns 30 anos e eu há 15", esclarece o autor. Ele comandou uma equipe que contou ainda com Cláudio Marcondes na edição de textos e imagens e Flávio de Carvalho na parte de informática.

O resultado é fascinante. "Não é um CD-ROM didático, não é uma enciclopédia, não é só para escolas", assegura Caldeira. Trata-se da história do Brasil para quem quer que se interesse por ela, narrada em todas as suas facetas: o governo, as instituições, a cultura e, principalmente, a sociedade. Tudo isso com a grande vantagem de estar numa linguagem que permite inúmeras associações entre diferentes períodos, personagens e passagens.

Viagem pela História do Brasil tem informações que saíram de quase 7 mil livros — se todos os textos que estão na tela fossem transpostos para o papel, a obra seria um calhamaço de 1,5 mil páginas. "Não tivemos de fazer nenhuma pesquisa inédita, bastou reler com cuidado muita coisa que já estava escrita", esclarece o autor.

Além dos textos, Caldeira e Sérgio Goes fizeram uma vasta busca por imagens. "A iconografia existente sobre o Brasil antigo está sumida, tivemos de fazer um levantamento gigantesco para encontrar ilustrações", lembra. O CD-ROM traz 2 mil imagens, desde índios apiacás cultivando mandioca até o Vale do Anhangabaú na década de 40. Em uma das telas, Tom Jobim aparece tocando piano (a imagem vem ao som de Desafinado, com João Gilberto).

Os grandes momentos da nossa história, aqueles que todo mundo já conhece, estão lá: 7 de setembro de 1822, 15 de novembro de 1889, a Revolução de 30, o golpe militar. Mas, clicando as palavras em destaque, encontram-se fatos que não estão nos livros. O CD-ROM mostra, por exemplo, uma versão diferente sobre o Tratado de Tordesilhas, que dividia a América recém-descoberta entre Portugal e Espanha. Contesta também os que dizem que o País vivia apenas da cana-de-açúcar no século 17 — à essa altura, a pecuária já estava desenvolvida no Nordeste e Sul e o tráfico de drogas ganhava força na região da Amazônia.

SeçõesViagem pela História do Brasil tem ainda seções batizadas de Almanaques, Biografias e Documentos. Entre as curiosidades de almanaque, estão explicações sobre as várias línguas faladas pelos índios no período pré-colonial, o funcionamento de um navio negreiro, alusões à independência dos EUA e à Revolução Francesa ou à história das indústrias Matarazzo.

As 130 biografias contadas de maneira breve no CD-ROM foram surgindo à medida que Jorge Caldeira pesquisava. "Temos uma galeria imensa de personagens fantásticos na nossa história", afirma. Entre eles, está Raposo Tavares que, no século 17, viajou com a infra-estrutura da época de São Paulo até Santa Cruz de La Sierra e depois seguiu para Belém do Pará.

Finalmente, abrindo a janela de documentos, aparece na tela uma lista gigantesca de cartas, trechos de livros e reproduções de tratados históricos: Hans Staden narrando suas andanças pelo Brasil, a sentença de Tiradentes, a Lei Áurea e o AI-5. Falando em AI-5, um pequeno pulo leva o "espectador" à tela sobre o Tropicalismo. Surpresa: clicando a palavra vaias, destacada em vermelho, ouve-se os gritos de Caetano Veloso, pregando que "é proibido proibir" diante da platéia irada.

Era justamente isso que Jorge Caldeira queria quando teve a idéia de rever a história do Brasil e de fazê-lo em CD-ROM: "Contar muitas histórias pequenas e mostrar a cara que elas têm."

Segundo ele, a cara do nosso País não é bem aquela que é desenhada pelas versões tradicionais. "Esse negócio de que alguns iluminados no poder formaram a nossa sociedade é apenas uma maneira de justificar o fato de a elite estar no poder", diz. "Também é besteira dizer que o Brasil só teve idiotas na direção", continua. "É muito mais fácil afirmar que temos problemas, mas é mais difícil apontar nossas potencialidades."