jornal
Folha de S. Paulo, caderno Ilustrada, 5 de agosto de 1997
Já raiou o stalinismo
no horizonte do Brasil
Arnaldo Jabor, da equipe de Articulistas
"Stalinismo is back!". Exemplo: os
historiadores Jorge Caldeira e Sérgio Goes passaram dois
anos fazendo uma "História do Brasil",
publicada pela Companhia das Letras. Um fino trabalho,
profundo e horizontal. Pelo livro, vemos a natural
tendência histórica do Brasil para a democracia,
formada na miscigenação e na tradição de um
Parlamento com 170 anos, faltando apenas destruir as
oligarquias escravistas montadas no Estado
patrimonialista.
Pra quê?!... Estão sendo violentamente patrulhados
porque teriam "ocultado" a dialética eterna de
explorados e exploradores, como se tivessem cedido a uma
espécie de história do Brasil "tucana".
É valioso observar esse patrulhamento. Exceção
feita ao PPS, o velho Partidão experiente e brasileiro,
está visível como o reducionismo sectário das
esquerdas burras muda a visão real dos problemas
nacionais para falsos alvos.
Caldeira rebateu as críticas a seu livro com uma
frase perfeita: "A liberdade é um suplício para
velhos prisioneiros".
As patrulhas voltaram. Eu nunca vi um ódio tão
espumante contra um governo como contra este. Mesmo na
ditadura, o ódio aos militares vinha com um
"arrière goût", um sabor de gratidão
masoquista aos milicos que "legitimavam" nossa
condição de vítimas "enobrecidas".
A ditadura justificava a paranóia. Já o ódio a FHC
(chamado de "filho da puta" por Lula semana
passada, em comício) é puro, legítimo, escocês. É um
ódio contra alguém que os priva de suas mais secretas
perversões, alguém que "desconstrói" os mais
velhos hábitos da esquerda sectária.
Já vi esse ódio contra Gilberto Freyre, já vi esse
ódio contra Nelson Rodrigues, contra Glauber, contra
Caetano.
É o ódio do fanático contra o herege, ódio
religioso de árabes contra judeus. É o ódio dos
"proprietários" da velha
"revolução" contra os que querem
modernizá-la.
Já vi esse ódio no rosto burro de velhos sectários
há 30 anos atrás, o mesmo ódio burro que vejo na cara
barbuda do pré-leninista Stédile e do provocador Gilmar
Mauro, os homens que vão destruir o MST e frustrar um
profundo movimento popular, que eles querem reduzir a uma
falange maoísta.
São os cafetões da miséria. A melhoria das
condições de vida pela democracia angustia-os. É a
primavera da esquerda "idealista".
Nunca vi esquerdistas tão pouco marxistas, que
ignoram a mudança nas "condições materiais de
produção" do mundo e do país e só apelam para os
"princípios", bóia de salvação moralista e
voluntarista.
Em matéria de condições objetivas, ACM dá um banho
de marxismo em Lula. A verdade é que o objeto do ódio
não é o presidente: é a democracia. FHC é um alvo
falso; a mira é na liberdade "burguesa".
Querem o fracasso, não acreditam em democracia. Só
acreditam em "dissenso" e se recusam a ver o
óbvio: hoje, temos chances de remover o entulho
patrimonial de 400 anos de um Estado paralítico.
E não se trata de uma doença infantil de
esquerdistas burros, apenas. Se fosse, eu nem ligava.
Não; é um maniqueísmo ativo que serve a qualquer
ignorante, é uma "negatividade portátil" que
embala multidões de observadores ingênuos ou
desatentos.
Os patrulheiros esquerdistas fornecem o
"ethos" para indecisos, preguiçosos e
oportunistas pelo Brasil afora. Eles detêm uma espécie
de selo de garantia para suas "verdades", um
santinho ético, uma espécie de "copyright" do
Bem que não se questiona.
É uma chantagem culposa que coopta intelectuais,
artistas, jornalistas e formadores de opinião que morrem
de medo de serem chamados de "reacionários".
Ficam quietinhos e se deixam banhar burramente pelas
reduções e truísmos sobre nossa desgraça, que a
esquerda burra não diz jamais como combater.
Ninguém tem coragem de criticar os erros dos tais
"defensores dos explorados", pois será
imediatamente chamado de "defensor dos
exploradores". Mas o grave, repito, é que estão
desviando para a opinião pública o foco da luta
urgente.
Parecem lutar contra o monstro da hora, chamado de
globalização ou de neoliberalismo, mas, na verdade,
lutam para manter vivo o Estado patrimonialista,
escravista, produtor da miséria.
Como "têm" de ser contra as
"reformas" de FHC, fazem uma frente única com
as velhas oligarquias de direita. Essa
"esquerda" não dá uma palavra contra os
usineiros de Alagoas, por exemplo, que estão por trás
da falência do Estado. Isso eles deixam para a imprensa
"burguesa".
Não atacam a pizza dos precatórios, sobem no
palanque (como fez o Rainha) com deputados do esquadrão
da morte, esbirros que se orgulham de ter matado 30
"elementos" na Rota e puxam o saco de PMs
desesperados por causa dos Estados falidos (que eles
ajudam a manter falidos, votando contra reformas).
Há uma frente única entre direita autoritária e
esquerda sectária, pois ambas odeiam a liberdade
democrática. Não atacam a "franca zona
nacional"; deixam a verdadeira direita livre, leve e
solta, porque, para eles, o "inimigo principal"
é FHC.
Exatamente como na Alemanha pré-nazista, quando o
"inimigo" era a social democracia, o que
permitiu a subida de Hitler.
O problema é que o tempo não pára e as forças
produtivas do mundo continuarão agindo sobre nossa
resistência colonial. E esse fluxo material da
produção é irreversível e chegará pela democracia
ou, pior, pelo autoritarismo.
Se não vier por bem, ele virá como liberalismo
selvagem, garantido por um novo fascismo caboclo, como
foi em 1964.
E aí, os stalinistas vão se sentir em casa de novo,
bem oprimidos e felizes... E a culpa nunca será deles,
pois eles nunca têm culpa, são sempre vítimas,
"vítimas da ditadura", "vítimas do
neoliberalismo".
São iguaizinhos aos usineiros de Alagoas: a conta
nunca é paga por eles... Adoram uma opressão, caldo de
cultura onde se sentem "vivos" pelo martírio e
pela sagrada derrota. E quanto mais são derrotados, mais
aumenta a sua fé.
Odeiam vitórias e atacam seus próprios governadores
eleitos. A derrota como que "prova" que estão
certos. Por isso, se recusam a fazer uma oposição
técnica aos erros do governo atual.
Não concedem a FHC, um presidente eleito, nem a
esmola de uma oposição técnica. Basta-lhes a
sabotagem. Não respeitam nem a liberdade
"burguesa" de que gozam, como se a democracia
fosse apenas um sistema político "fraco". E
assim vão, numa punheta teórica eterna, num papo que
já não deu.
E não teriam importância nenhuma se não fornecessem
água-benta teórica para intelectuais covardes ou
jornalistas ignorantes e espertos.
É muito fácil ser "macho crítico" na
democracia. Na época da ditadura não se viam esses
gatos miando.
Contudo, há uma esperança: a materialidade do mundo
concreto se move quando eles dormem. Outra alegria é que
o Estado brasileiro já faliu e não vai mais poder
avalizar com dinheiro público suas ilusões perdidas.
Nossa esquerda não leu Marx. Graças a Deus, as forças
produtivas não param.
jornal Folha de S.
Paulo, caderno Mais!, 27 de julho de 1997
Um velho gênero de
auto-punição
Jorge Caldeira e Sergio Goes de Paula
especiais para a Folha
Às vezes as mixórdias são reveladoras.
Como por exemplo na matéria "Um novo gênero de
auto-ajuda" do último domingo neste
"Mais", sobre a "Viagem pela História do
Brasil". A ambivalência começa pela própria
definição do objeto, já que não trata apenas de uma
reflexão sobre a obra, mas também sobre um fato que,
para o resenhista, é espantoso: uma história do Brasil
ocupar um lugar na lista de livros mais vendidos, ao lado
de um "guia de modas" e outro de
"sabedoria simples", como diz ele.
Tratando deste segundo território, do sucesso de
mercado, com esta sabedoria verdadeiramente simples, dá
o campo por definido , e a ele contrapõe o espaço do
"verdadeiro conhecimento", o "das regras
do método e da atitude de uma ciência". Separando
com esta clareza de gibi o inferno do céu, nada mais
fácil que chegar à conclusão de que dois mundos se
oporão; num deles deverá estar a obra, noutro o
analista. Mas escapa assim uma possibilidade: e se a obra
for construída inteiramente no universo cinzento que
este esquema tenta negar? A resposta a tal pergunta só
pode ser encontrada no que, no texto, está para além
dos objetivos explícitos, espaço bem mais rico que o do
esquema linear.
No que escreve para além do objetivo consciente de
resenhista, está a chave do mistério. Para quem se
coloca no campo das regras do método, demonstra pelo
conjunto obra/resultados de mercado uns sentimentos
voluptuosos demais. A linguagem científica dá lugar à
de fã: enxerga um autor mítico, falando "do alto
de seu enorme sucesso de vendas". Sobre a obra de
"auto-ajuda", derrama adjetivos de colunista
social: "belíssima edição",
"inteiramente em cores", "notável projeto
gráfico", "acurado conceito de
multimídia", "ambiciosa empreitada".
Mas sabemos de antemão que esta volúpia do elogio
resultará em castigo, em nome da premissa radical. Como
admitir o prazer dos adjetivos se o objeto está situado
no mundo decaído que está para além de seu mosteiro
intelectual, um mundo que define como
"plug-and-play"? Haverá, portanto, punição
ao culpado do desvio -- a obra que lhe provocou os
adjetivos. Punir algo que deu também prazer:
comportamento de vítima da indústria cultural, segundo
a descrição de Adorno: "Ao expor sempre de novo o
objeto do desejo, o seio no suéter ou o torso nu do
herói esportivo, [a indústria cultural] não faz mais
que excitar o prazer não-sublimado que, por hábito de
privação, se converteu há tempo em prazer puramente
masoquista. Não há situação erótica que não una à
excitação a advertência precisa de que não se deve
chegar a este ponto".
Masoquismo regressivo: eis o sentimento que rege o texto
-- e daí sua imensa ambivalência; o prazer só aparece
na punição. Seu sentido não decorre das premissas
racionais, mas do que delas extravasa: raiva de ter que
elogiar a tecnologia nova, a adequação do material a
esta tecnologia, as possibilidades que ela oferece. O
lado negativo surge, como os elogios, na linguagem do
cidadão comum, leitor de livros "baixos". É
aí, na estrutura interior deste abandono ao prosaico
sempre negado na consciência do texto -- e revelado como
recalque em elogios e xingos excessivos-- que a
"Viagem pela História do Brasil" cumpre seu
destino de contar a história para o cidadão comum. Até
mesmo para o cidadão comum que está por trás do
resenhista .
Aí há coisa mais funda, que, esta sim, merece
discussão. Por que o cidadão e o cientista estão
separados no texto por uma muralha intransponível para a
linguagem consciente? Arrisque-se uma hipótese
tentativa, aberta. Nos últimos anos a história do
Brasil passou por uma situação esquizofrênica -- e o
sucesso da "Viagem.pela História do Brasil"
toca a ferida. Longe vai o período que Celso Furtado e
Caio Prado de uma certa forma encerram, do historiador
como encarnação da consciência do cidadão.
A transformação da atividade de historiador em
produção especializada foi um dos grandes sucessos do
regime militar. Destituída a história de seu papel de
ciência geral da sociedade, para uso de todos, não
foram poucos os historiadores que, retirados do debate
público, tiveram de compensar sua impotência cívica
com a retórica de que a verdade só se revela àqueles
capazes de sofrer no isolamento. Exceções como Luiz
Felipe de Alencastro, Boris Fausto ou Emir Sader apenas
confirmam a regra.
O dramático desta situação é que, nos últimos 25
anos, quase não se produziram (bons) livros de história
do Brasil destinados ao público geral: a obra de Ricardo
Maranhão, Luiz Roncari e Antonio Mendes, publicada pela
Brasiliense no início dos anos 70, a de Manoel Maurício
de Albuquerque, nos anos 80, a de Boris Fausto, nos anos
90 e a de Darcy Ribeiro são as exceções. É imenso o
número de brasileiros que, se quiser conhecer o assunto,
precisa surrupiar o livro escolar do filho -- ou então
aprender as formalidades da linguagem técnica. Esta a
realidade que está entre a produção acadêmica e o
livro didático.
Pobre, não? Pois é para o fim desta situação de
pobreza que aponta o sucesso da "Viagem pela
História do Brasil", como apontam o sucesso da
"História da vida privada no Brasil" e de
"História das mulheres no Brasil". Trazer a
discussão histórica do terreno da especialidade para o
do debate geral não é rebaixar a história -- a não
ser para os raros que perdem com a mudança. Gente de
erudição pernóstica, posando de consumidores
"cultos" a quem a pobreza cultural permite o
papel de detentores de segredos a serem revelados aos
não-iniciados. Não é à toa que, também ameaçando
com a queda das barreiras entre público especializado e
público geral, a excelente "História da vida
privada no Brasil" tenha sido tratada pela revista
"Veja" como livro pornográfico, por um
atravessador de conhecimento igualmente ressentido com a
liberalização do mercado.
Neste universo, é estapafúrdio o motivo
"técnico" do mau tratamento de "Viagem
.pela História do Brasil": a obra não cuidaria da
história do país como um caso-padrão para demonstrar
uma "teoria" que pode ser aplicada a qualquer
povo, em qualquer época. Para o resenhista, fazer
história é mostrar que existem exploradores e
explorados; este truísmo vem a ser o núcleo do
conteúdo de verdade que obrigaria o historiador ao
isolamento, por conhecer verdades perigosas para a
sociedade (idéia que só viceja em ditadura, não por
acaso). Tudo o que não se enquadra nesta grande e banal
verdade só pode ser expresso em linguagem de folhetim:
"ideologia pós-tucana de fácil consumo",
"arroubo de populismo", "conversa",
"história com final feliz".
Como sempre o adjetivo, não o substantivo, revela: para
uma obra que não tem "nada que não se encontre num
manual de primeira série" é demasiada a revolta do
circunspecto pesquisador. Como também é o seu desejo de
autoridade: uns tantos erros de revisão que, por
sinal, a própria tecnologia invadora permite corrigir
on-line, via Internet são para ele suficientes
para assentar de novo os muros, concluir pela premissa:
pôr, de um lado, o público e os autores ignorantes da
"Viagem pela História do Brasil"; de outro, o
gueto dos conhecedores. Nem que, para isso, seja preciso
construir um texto excruciante. A liberdade, muitas
vezes, é um suplício para velhos prisioneiros.
Jorge Caldeira e Sergio Goes de
Paula são co-autores de
Viagem pela História do Brasil
jornal Folha de S.
Paulo, caderno Mais!, 20 de julho de 1997
Um novo gênero de
auto-ajuda
Viagem pela História do Brasil traz
imprecisões e uma concepção teórica equivocada
PEDRO PUNTONI especial
para a Folha
Um fenômeno. No país dos
sem-história, em quinto lugar entre os livros de
não-ficção mais vendidos, ombreando com um "guia
básico de modas" e com um outro de "sabedoria
simples", está um almanaque de história do Brasil.
Prometendo ao leitor/usuário uma agradável turnê por
temas e assuntos de nosso passado, e em duas versões
(CD-ROM ou livro), a "Viagem pela História do
Brasil" é obra coletiva dirigida por Jorge Caldeira
e escrita e concebida a várias mãos.
Em belíssima edição da Companhia das
Letras, com financiamento da Lei de Incentivo à Cultura,
o livro, assim como o CD, oferece uma obra inteiramente
em cores, com notável projeto
gráfico e acurado conceito de
multimídia. Em papel ou em meio magnético, trata-se de
uma ambiciosa empreitada que quer mostrar "cada
aspecto da formação do país e de sua sociedade",
objetivando, por meio de uma interpretação inovadora,
contribuir "para ajudar cada brasileiro a definir
suas opções próprias para o futuro".
Do alto do enorme sucesso de vendas,
Caldeira disse recentemente que "os historiadores
vão torcer o nariz porque não tem uma nota de
rodapé". De fato, não há uma nota de rodapé.
Nenhum problema, pois a leitura poderia ser assim
realmente mais agradável, não fosse a estrutura do
livro parecer ser a de centenas de notas de rodapé
enfileiradas (ou encadeadas, se se preferir, na versão
CD), mimetizando a linguagem de videoclipe tão celebrada
pelos fautores da modernidade. Mas estilo não se
discute. Quanto ao mérito, veremos.
Basta ter prestado atenção às aulas
de história ou apenas, como interessado, ter lido alguns
dos livros (que, imaginamos, a equipe de autores se
utilizou para compilar esta história do Brasil) para se
notar assustado a enorme quantidade de imprecisões e
erros espalhados ao longo do texto. Para tornar as coisas
mais difíceis, nas 352 páginas do livro, ou mesmo nas
1.500 "páginas virtuais" do CD, não há nem
sequer uma referência bibliográfica, uma sugestão de
leitura, uma pequena alusão à origem das
informações e temas ali tratados.
Ora, depois de consultarem
"dezenas de milhares de livros e documentos",
valeria a pena indicar o caminho das pedras ao leitor
mais curioso ou ao especialista embasbacado com as
novidades interpretativas. Ou talvez, mas singelamente,
apontar algumas obras de referência importantes. A
cobrança pode parecer chatice, mas não é. Pode-se
notar que, quando imperativo, pelas alterações das
regras do direito autoral vindas com a nova
Constituição, as referências às fontes
iconográficas foram feitas com certa
organicidade. Quase todas as 2.000 imagens do CD e as
cerca de 400 do livro são identificadas, de um modo ou
de outro, ao final. Com exceção dos documentos
transcritos, quando se trata das referências do texto:
nadinha! O princípio é defender os "desejos"
do leitor, e, nesta
perspectiva, nada parece ser mais chato
do que entender como as coisas foram feitas, pensadas,
escritas... pelos historiadores e sociólogos.
Como vivemos num mundo
"plug-and-play", a própria linguagem do CD,
imitada de maneira mais pobre pelo livro, oferece essa
facilidade, pois permite ao usuário "tanto uma
visão sintética de
cada período quanto uma abordagem mais
analítica dos assuntos que queira conhecer melhor -sem
precisar se deter onde não há desejo". Assim, o
leitor/cidadão, transformado agora em
usuário/consumidor, pode, quase que literalmente,
durante sua viagem interessante, pegar o que lhe
interessa (e apenas isso) das prateleiras do supermercado
histórico.
Mas vamos aos fatos. Responda rápido:
qual a fórmula química do sal de cozinha? Se você não
sabe, duas são as soluções. Pergunte ao seu filho (se
ele estiver em idade escolar) ou procure
em um manual de química. Se a resposta
não for NaCl, você errou. Pois então, responda quando
morreu, ou desapareceu, o rei de Portugal, d. Sebastião.
Segundo a página 43 do "Viagem...", no ano de
1580; mas, de acordo com as "dezenas de milhares de
livros e documentos", em 1578. Como morreu
Marighela, o líder guerrilheiro da ALN? Segundo a
página 326 "em uma sessão de tortura" e
depois levado para uma "rua de São Paulo onde foi
simulada sua morte durante um tiroteio". Não
obstante, testemunhos e historiadores nos contam que
naquele triste dia 4 de novembro de 1969, dia de
Corinthians e Santos
no Pacaembu, Marighela (que, na época,
usava, por galhofa, o codinome de Maluf, então prefeito
nomeado) foi emboscado e fuzilado dentro de um fusca azul
na alameda Casa Branca. Qual foi o primeiro comício das
diretas? De acordo com a "Viagem...", em 25 de
janeiro de 1984, na praça da Sé, e organizado por
Montoro. Você se lembra disso? De duas, uma: ou esses
são exemplos, entre outros, de
"circunstâncias" erroneamente compiladas pela
equipe ou estamos mesmo diante de uma novidade.
Porém, a embocadura dessa história,
no miúdo, é extremamente tradicional. Apenas com um ou
outros acertos mais novidadeiros, no caso do Brasil
holandês, por exemplo, onde sentimos a presença (mal
lida) de Charles R. Boxer e de Evaldo Cabral de Mello, o
encadeamento das análises e das soluções de
"circunstâncias" são banais. Nada do que não
se encontre num manual para a primeira série.
A presença dos povos indígenas,
confinados no pretérito, generalizados ao extremo
("as tribos organizavam-se segundo sistemas de
parentesco", diz a página 14, para infortúnio do
leitor), caracterizados como gentis-homens distribuindo
mulheres aos brancos em troca de instrumentos de ferro,
é realmente inadmissível. O homem do povo, "o
cidadão comum", que seria o fautor de nossa
formação flexível, tampouco está presente.
Para se ter uma idéia, das 128
biografias do CD, não há nenhum Zumbi, Antônio
Conselheiro ou algo que o valha, e apenas 6 são de
mulheres: Brites de Albuquerque, mulher de Duarte Coelho,
e as reais dona Maria 1ª, a "devassa", dona
Carlota Joaquina,dona Leopoldina, dona Amélia e princesa
Isabel, que, aproveitando o desânimo do pai, num arroubo
voluntarista ("... mostrou que o governo podia agir
quando queria", pág. 221), teria assinado a lei
Áurea.
Da mesma forma, os brasileiros ilustres
do sexo masculino não estão tão bem representados.
Como pode se ver, no capítulo 12 (erroneamente chamado
de "regime militar", o que não existe (sabemos
todos que somente "ditadura militar" seria
conveniente), com exceção de Ulysses Guimarães, os
oito biografados são os presidentes, de Costa e Silva a
Sarney.
Mas temos de concordar com um dos
autores. Caldeira, em entrevista recente a um programa de
televisão, resolveu que, na verdade, pequenas
imprecisões são detalhes e o que importa é o conjunto,
a interpretação inovadora de nossa história. Nisto
estou em perfeita concordância. Na verdade, o livro/CD
não se pretende mesmo um manual, tampouco um dicionário
histórico. Por detrás dos inúmeros verbetes, leituras,
análises, sons e imagens, quer desfilar uma
interpretação particular de nosso desenvolvimento.
Para Jorge Caldeira e Sergio Goes de
Paula, que assinam um texto interpretativo que aparece
somente na versão CD, os fundamentos da nação
brasileira, "que moldam a identidade de seu povo,
definindo seus costumes, instituições, estabelecendo o
modo pelo qual se relaciona com as outras nações e
absorve as tendências dominantes em cada momento",
seriam quatro: a capacidade de "adaptação", a
"escravidão", a "unidade, territorial,
linguística e cultural" e, por fim, "a busca
de uma conciliação entre desenvolvimento e
democracia".
Num arremedo de teoria do Brasil, os
autores misturam soluções explicativas que mais
formulam uma ideologia pós-tucana de fácil consumo do
que qualquer visão inovadora. Num arroubo populista, a
conversa é para mostrar que, como já foi dito, apesar
das elites e dos intelectuais insistirem nos aspectos
negativos de nossa formação nacional, o Brasil é um
país de imenso futuro e que estamos, por nossas
características de flexibilidade e adaptabilidade,
preparados para o "novo ciclo que se inicia".
Somos "um povo globalizado tentando achar seu lugar
num mundo globalizado, em meio a instituições ainda
marcadas pelo predomínio de interesses
particulares", dizem.
Em suma, uma história com final feliz,
positiva e antidepressiva. Mas, vale lembrar, com Marc
Bloch, "que os exploradores do passado não são
homens livres, o passado é seu tirano". O
verdadeiro conhecimento de nossa formação e, portanto,
de nosso lugar no mundo depende de um esforço que se
encontra alhures, nas regras de um método e na atitude
de uma ciência, longe das páginas deste novo gênero de
auto-ajuda.
Pedro Puntoni é
pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento) e doutorando em história social na USP.
jornal Folha de S. Paulo, Ilustrada, 8 de julho de
1997
O acaso e as minhocas
movem a
história do país
ARNALDO JABOR da Equipe de Articulistas
As minhocas me dão mais medo do que as
serpentes. Os grandes
répteis estão à flor da terra prontos para a picada,
mas são
visíveis. Os pequenos vermes vão roendo as nossas
carnes em
silêncio. Muito antes de morrer, já fomos roídos pelos
idiotas ou
pelos pequenos detalhes.
A "pequena história" brasileira também me dá
medo. Loucos por
um controle do mundo, acreditamos nas grandes causas das
"forças produtivas", quando nossa realidade se
move muito pelo
detalhe ínfimo de um gesto ou de uma neurose.
Gostaríamos que a história do Brasil fosse movida por
grandes
"revoluções". Navegando pela "Viagem
pela História do Brasil",
livro-CD de Jorge Caldeira (Companhia das Letras), vemos
que a
onipresença do Estado patrimonialista é tão forte em
nossa
história que somos muito movidos pelos detalhes.
Temos uma fome do poema épico e só nos restam os
folhetins e
melodramas. Queremos Homero e sempre recebemos Janete
Clair. O Estado brasileiro está programado para impedir
os
grandes movimentos, a sociedade civil está estreando
agora, de
modo que somos movidos pelas minhocas que escapam pelas
frestas do processo.
Nelson Rodrigues (sempre esse homem fatal!) descobriu o
óbvio,
como ele próprio disse. Ali, na mixaria, na obra das
minhocas, no
acaso, estão nossos segredos. O próprio Nelson me
contou uma
vez que foi convidado pelo Oduvaldo Vianna Filho (o
grande
poeta dividido entre a política e a poesia) a escrever
com ele um
roteiro sobre uma mulher que trai o marido: "O
Adultério".
Nelson aceitou. Dias depois, ele me telefona e diz:
"Rapaz, parei
com o roteiro. O Vianinha queria que a mulher fosse para
a cama
do amante movida apenas pelas relações de
produção...". Esse
caso é exemplar.
Na história recente, quantos casos temos visto. A
tentativa de
reformas políticas está fazendo sair da toca todas as
toupeiras e
roedores da resistência, que fingem defender o Estado,
mas só
defendem a própria pele. Quantos exemplos de acaso e da
"petite
histoire" recentemente. Vejamos.
Depois das lutas épicas pela abertura democrática, vem
a vitória
de Tancredo Neves para a presidência. Viva o Brasil
novo!
"Liberdade abre as asas sobre nós", vitória
épica! No dia da
posse, quem vem andando pela rua, de gravatinha
borboleta,
chapéu coco e bengalinha? Um vírus, um micróbio que
entra na
barriga do nosso líder e mata-o diante da nação
esbugalhada. Um
micróbio mudou a história nacional. E quem entra no
lugar?
O bigode flamejante de outro homem, egresso da ditadura
que
acabava. E os detalhes continuam a nos assolar. Sarney
chama um
homem de bem, corajoso, para fazer o Plano Cruzado. Só
que
Dilson Funaro, heróico e messiânico, lutava contra um
câncer
devastador. Teria Funaro decretado a moratória
unilateral para a
banca internacional se não estivesse batido do vento da
morte
próxima?
E depois -a "pequena história" atacando- teria
Sarney impedido as
correções de rumo do Plano se não fossem os interesses
das
eleições de 86? Como saber? E -mais tarde- teria Collor
sido
eleito se não fosse o rancor profundo de Miriam
Cordeiro,
denunciando Lula (oh, História! Teu nome é mulher...).
E, mais melodramático ainda, teria havido o impeachment
se
Thereza Collor não fosse tão linda, dentes de pérola,
pele de
maçã, uma doce Sonia Braga dos canaviais? Teria havido
impeachment sem o infinito ciúme de Pedro Collor pelo
irmão
que, dizem, cantou-lhe a mulher?
Teria se desencadeado esse ódio negro, fratricida, que
fez o país
mudar num dos poucos movimentos de massa
"ativos" que
tivemos, o dos caras-pintadas? Aliás, teria havido
caras-pintadas
sem a série da Globo que Gilberto Braga escreveu antes,
"Anos
Rebeldes"? Teria havido? O virtual também é
realidade.
E mais: teria o impeachment rolado sem o Eriberto,
motorista
(lembram-se?) que declarou a mais bela frase: "E
precisa ser mais
que patriota?". E, sem o Fiat Elba, teria havido
mudança histórica?
Eis a verdade: Collor foi eleito por uma enfermeira e
derrubado
por um motorista. Quantos detalhes bestas, meu Deus.
Lembro-me da fábula de Ray Bradbury que imagina que a
vida na
Terra se modificou toda por um viajante do tempo que, sem
querer, pisa numa borboleta pré-histórica, muda a
cadeia da
evolução e o futuro todo. O Brasil parece isso.
Teria Pedro Collor morrido de câncer na cabeça, um ano
depois
de os médicos examinarem seu cérebro na frente da
imprensa (eu
estava lá no auditório do hotel Maksoud quando ele
perguntava
ao neurologistas: "Eu tou maluco?"), se não
tivesse comprado essa
luta de morte dentro do próprio sangue?
E hoje teríamos FHC no poder se Itamar não o
idealizasse como
um príncipe da sociologia? E o Plano Real não foi quase
por água
baixo por uma inconfidência de parabólica do Ricúpero
conversando em "off" com o Carlos Monforte?
E se não tivesse entrado o Ciro Gomes, com sua macheza
até
meio truculenta, mas essencial naquele momento da xotinha
de
Lilian Ramos e outras borboletas do tempo, que teria
havido?
Quase que aquele "monte de Vênus" muda a
República. E se o
México não tivesse tido a crise de caixa premonitória,
pouco
antes da posse de FHC, não teríamos entrado por um cano
deslumbrante, em nossa euforia neoliberal inicial?
Acasos.
"Feelings", como cantaria Morris Albert. E qual
a relação entre as
picaretas na cabeça de Ana Elizabeth, ainda tonta do
vinho
francês do restaurante, antes de ser enterrada viva, e a
busca de
moralidade na CPI dos anões do Orçamento?
Hoje, vemos que a democracia, como dizia Sergio Buarque,
sempre foi entre nós um mal-entendido. Não só para
disfarçar o
eterno patrimonialismo, mas para ser o picadeiro dos
"faits
divers". "Democracia", para nós, ainda é
a arena delirante para
acontecimentos isolados: índios em chamas, PMs
sangrentos e
sangrados, mortes em Caruaru, tudo que é micro sendo
sugado
para o macro. E vice versa.
Nossas instituições políticas foram montadas
cuidadosamente para
manter tudo igual, nossa resistência à mudança é
tanta que só
rolam os acasos e acidentes, mais importantes, às vezes,
que os
movimentos sísmicos da produção.
Graças a Deus, o Estado-papai faliu, e a sociedade civil
vai ter de
se fortalecer para vocalizar seus desejos. O Estado-papai
não tem
mais grana para avalizar novas ilusões e bancar novos
delírios.
Ao menos para isso a globalização vai ser útil -vai
acabar com a
dependência passiva da sociedade. Vai acabar a
avalização
estatal das ilusões e lero-leros. Vamos ter de crescer e
aparecer,
para impedir que a história do Brasil seja mudada por um
micróbio ou por uma xotinha voadora.
jornal Folha de S. Paulo, Ilustrada, 21 de junho de
1997
LIVROS
CD-ROM 'redescobre' o
Brasil
MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha
Alguém duvida que há uma história brasileira
subterrânea, e que a contada em livros é a dos
vencedores? A começar pelo descobrimento, cantado em
prosa e verso nos quatro cantos pátrios.
Como um navegador português "descobriu"
casualmente uma terra já habitada por aproximadamente 8
milhões de nativos?
Diante da tirania das versões oficiais, dois amigos, um
sociólogo e um historiador idealizaram o ousado projeto:
recontar a história do Brasil.
Desta vez, os protagonistas não seriam reis ou
presidentes, mas o povo. Em outras palavras, saem de foco
as conspirações da "casa grande", e entram os
batuques da "senzala".
O resultado pode ser conferido no livro e CD-ROM
"Viagem pela História do Brasil" (Companhia
das Letras), de Jorge Caldeira, Flávio de Carvalho,
Cláudio Marcondes e Sérgio Goes de Paula.
Dividiu-se a história brasileira em 12 capítulos (1.200
temas), a começar pelos "Primeiros Encontros"
(não "A Descoberta") até o capítulo
"Regime Militar".
Foram consultadas 30 mil ilustrações, "a maior
pesquisa iconográfica já feita no país", afirma o
jornalista e sociólogo Jorge Caldeira ("Noel Rosa,
de Costas para o Mar" e "Mauá, Empresário do
Império").
Caldeira, 41, cuja biografia "Mauá" (1994) já
vendeu 110 mil exemplares -e será adaptado para o cinema
por Fernando Meireles-, assina a direção do projeto.
Folha - Costuma-se dizer que nossa história
é medíocre e sem heróis. Não há estágios
revolucionários, mas reformistas. Você concorda?
Jorge Caldeira - O que se conta de história
do Brasil é uma grande besteira. Ela é fantástica. A
ditadura fez a gente desaprender história. Nos passou a
imagem de um povo preguiçoso. Rebaixou o brasileiro a um
nível insuportável. O barato do Brasil é o brasileiro.
Por isso, o livro traz tantas ilustrações. Queremos
mostrar a cara do brasileiro.
Folha - Vocês assumem que o livro é uma
interpretação?
Caldeira - Não é um livro didático, mas
uma mera interpretação baseada no Brasil democrático.
Nossa história foi feita por casamentos. No começo,
não se matou índio, se casou com ele. Com nossa mata
tropical, os europeus não sabiam o que comer, o que
plantar. Quem sabia? Os índios. Tiveram de se aliar a
eles, por meio de casamentos. É uma base não tão
autoritária.
Folha - Isso gerou o jeito brasileiro de ser?
Caldeira - O Brasil é um país de poucas
guerras. Temos tradição de fazer acordos. É um país
civilizado pelo cidadão comum, não só pela elite.
Folha - Mas é um país com resquícios
autoritários.
Caldeira - Que apareceram com a escravidão,
quando a relação mudou: quem está em cima despreza
quem está embaixo. O CD conta não só a história dos
ciclos econômicos, mas do povo.
Folha - Esta é a razão do capítulo
dedicado aos "tropeiros"?
Caldeira - Quando se fala em século 18,
pensa-se em Nordeste e no ciclo da cana. Mas o Brasil já
estava integrado de norte a sul pelo seu povo, como os
"tropeiros".
Folha - Por que não há, no CD, um índice
das músicas?
Caldeira - Elas estão escondidas, para o
cara ler um pouco de história, não ficar só se
divertindo.
Bossa nova divide
espaço com AI-5
Especial para a Folha
Como contar a história de um país? Por
meio de análises de medidas publicadas em diários
oficiais ou enumerando as mudanças de comportamento
oferecidas por conflitos pessoais?
O que mudou o Brasil nos anos 60? O resultado da
política monetarista de Roberto Campos ou a vaia em
Caetano Veloso?
A balança sempre pesou para os índices econômicos, em
detrimento das transformações dos hábitos sociais.
"Viagem pela História do Brasil" procura sanar
a carência gerada por um sistema de ensino autoritário
e preconceituoso -e a bossa nova ganha tanta importância
quanto o Plano de Metas do governo Kubitscheck.
Registrar a gravação de "Pelo Telefone"
(1917), citar a importância do tablóide "O
Pasquim" e dos festivais da TV Record são, na
opinião dos autores do livro, fundamentais para entender
o Brasil.
O livro e o CD priorizam o homem; o segundo capítulo é
dedicado exclusivamente aos índios, negros e brancos.
Procura-se registrar as características culturais de
cada etnia residente no Brasil.
No CD, embutidos nos 12 capítulos, existem links além
do "texto principal", que levam o usuário aos
sub-diretórios "almanaques",
"biografias" e "documentos".
Em "documentos", encontram-se textos na
íntegra, como o Tratado de Tordesilhas e os AI-1, AI-2 e
AI-5 (Atos Institucionais do Regime Militar).
Muitos "documentos" são do mesmo período do
fato narrado.
Por exemplo, para falar dos costumes sexuais dos índios,
utilizam-se os escritos de 1587 de Gabriel Soares de
Souza, um senhor de engenho que escrevia sobre os
tupinambás. "Quando o marido quer se juntar com
qualquer delas (as índias), vai se lançar com ela na
rede, onde se detêm só aquele espaço deste
contentamento, e torna para seu lugar... e por nenhum
caso se entrega a dama a seu marido enquanto não lhe vem
seu costume...".
Talvez o usuáriocomum, acostumado com CDs
norte-americanos que estão no mercado, sinta a ausência
da pirotecnia virtual. Mas a qualidade do texto e das
ilustrações salta aos olhos.
(MRP)
Obra esgota em uma
semana
da Redação
Em apenas uma semana nas livrarias, os 4.400
exemplares da primeira edição do estojo com livro e
CD-ROM de "Viagem pela História do Brasil", do
jornalista e historiador Jorge Caldeira, já haviam
esgotado.
Lançada em 5 de junho, a publicação da Companhia
das Letras vendeu 8.000 dos 11.000 exemplares da primeira
edição em livro.
Jorge Caldeira demorou dois anos e meio para concluir
o trabalho, auxiliado por equipe de 19 pesquisadores.
Outro título da Companhia das Letras que já esgotou
a primeira edição em menos de um mês é o primeiro
volume de "História da Vida Privada no
Brasil", organizado por Laura Mello e Souza.
Os próximos volumes da série, que é organizada por
Fernando Novaes, devem ser publicados em setembro e
dezembro deste ano.
Livro e CD-ROM: Viagem pela
História do Brasil
Quanto: R$ 65 (CD-ROM e livro) e R$ 23 (só o livro,
de 352 páginas)
Livro: História da Vida Privada no
Brasil Quanto: R$ 45 (256 páginas)
jornal Folha de S. Paulo, Ilustrada, 4 de junho de
1997
O Brasil nas pontas dos
dedos
MARIA ERCILIA do Universo
Online
"Viagem pela História do Brasil" é
primeira obra enciclopédica em CD-ROM do Brasil. Não se
trata de transposição de um texto já existente para
CD, mas de obra original.
O CD vem acompanhado de um livro (Companhia das
Letras) e é complementado por um site gratuito
(http://www.historiadobrasil.com.br).
Alinhavar as 1.500 páginas e 2.000 imagens da obra
foi um trabalho de paciência que se estendeu por dois
anos e meio, envolveu 19 pessoas e consumiu um
investimento de R$ 750 mil. O resultado coloca a
produção de multimídia no Brasil num novo patamar.
CD-ROM geralmente é tratado como mídia para games ou
como um bom depósito para bancos de dados e obras de
referência já sacramentadas pelo papel. Dificilmente um
estudioso tem a coragem de simplesmente escrever para
CD-ROM.
Foi exatamente o que a equipe dirigida pelo escritor
Jorge Caldeira fez. "Quisemos contar uma história
da formação do país, em vez de nos determos na
narração dos feitos dos grandes homens. Viemos desde a
primeira ocupação humana até o fim do regime militar,
em 84", diz Caldeira.
Um texto principal enxuto alinhava os diversos níveis
de informação do CD. São dezenas de biografias,
documentos, imagens e "almanaques".
O trabalho de pesquisa iconográfica é fantástico.
Inclui os obrigatórios Debret e Rugendas, mas também um
sem-número de gravuras e ilustrações anônimas,
desenhos de plantas, retratos de indígenas e telas de
pintores portugueses e holandeses.
Os documentos originais reproduzidos em "Viagem
pela História do Brasil" também vão muito além
dos habituais trechos do Tratado de Tordesilhas dos
livros escolares.
Descobrimos que cara e jeito tinha Domingos Jorge
Velho, no relato de um bispo de Pernambuco. "...Nem
falar português sabe, nem se diferencia do mais bárbaro
tapuia, mais que em dizer que é cristão, e não
obstante o haver-se casado de pouco, lhe assistem sete
índias concubinas..."
Ou, num relatório de escambo de 1527, ficamos sabendo
que 273 veados custaram 273 cunhas e 273 anzóis médios,
mas 398 galinhas custaram 70 cunhas, 40 facas e 30
anzóis médios. Num
trecho de "Tratado Descritivo do Brasil", de
Gabriel Soares de Sousa, descobrimos um registro dos
costumes sexuais dos índios.
Textos como esses, arroz-com-feijão para
historiadores e estudiosos, nunca chegam às mãos do
leitor comum. São longos e se torna caro incluí-los na
íntegra em livros.
"Esgotamos o espaço do CD com o material que
reunimos", diz Caldeira. "Tivemos que deixar
algumas coisas de fora."
Há ainda mais de cem biografias ao longo do CD. Os
almanaques de cada capítulo detalham aspectos da vida na
época. Por exemplo, o almanaque do capítulo Primeiros
Encontros inclui puberdade, casamento e morte entre os
índios, rituais antropofágicos, técnicas nativas etc.
São notas de rodapé -ou, no jargão multimídia, de
hipertexto- que complementam o texto principal.
A equipe de "Viagem pela História do
Brasil" conseguiu chegar a uma fórmula de
navegação cristalina e sem firulas. É quase
impossível perder o caminho, de tão simples e lógicos
que são os comandos.
Jorge Caldeira pretende explorar a possibilidade de
interligar CD e Internet para estender a obra. "A
obra eletrônica é viva, não precisa se encerrar com o
lançamento."
CD-ROM e livro: Viagem
pela História do Brasil
Editora: Companhia das Letras (livro)
Quanto: R$ 65 (CD-ROM e livro) e R$ 23 (só o
livro)
Site gratuito: http://www.historiadobrasil.com.br.
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