Jornal do Brasil

Domingo, 8 de junho de 1997 - Caderno B, pg. 7

Novidades do passado

Uma viagem pela história do Brasil em livro e CD-Rom

Cláudio Cordovil

Que o Brasil é um país sem memória, muito já se falou. Na amnésia coletiva, o próprio presidente Fernando Henrique Cardoso teria apostado todas as suas fichas, com a famosa declaração: "Esqueçam o que escrevi", referindo-se a seus trabalhos teóricos como sociólogo. Remando contra a corrente da eternização do presente e da credulidade no futuro, celebrada pelos agentes econômicos, Jorge Caldeira, jornalista e cientista social, e Sergio Goes de Paula, economista e pesquisador, idealizaram Viagem pela História do Brasil, uma iniciativa que reúne livro e CD-Rom a preços convidativos. O pacote promete revolucionar as representações que temos sobre o passado como algo superado, arcaico ou desconectado da realidade presente, como querem os políticos que apregoam a futura modernidade para ontem.

"É importante ressaltar neste momento específico da vida nacional que as coisas não foram feitas ontem. Não se está começando um novo país agora. Este país está aí há 400 anos", adverte Sergio Goes de Paula, doutor em economia e pesquisador da Casa Oswaldo Cruz.

Visto através do CD-Rom e do livro, o país de 400 anos ainda nos reserva novidades passadas. Se você sempre acreditou que o Brasil foi descoberto em 1500, volte para a escola. "Não houve uma descoberta do Brasil. A ocupação humana no Brasil se deu entre 12 e 30 mil anos antes do presente. As correntes migratórias teriam entrado no Brasil pelo Oceano Pacífico ou pelo Estreito de Behring. As hipóteses mais prováveis falam a favor da entrada pelo Pacífico. Isso porquer múmias de silvícolas encontradas apresentavam ancilóstomos (lombrigas) que não resistiriam às condições climáticas do Estreito de Behring", revela Sergio Goes.

O Cd-Rom, que pode ser adquirido, junto com o livro, por R$ 65, contém informações equivalentes a um livro de 1.500 páginas e uma galeria de mais de 2 mil imagens. Mas não parece. Ao longo de seus 12 capítulos, encerrados pela eleição de Tancredo Neves, em 1985, o usuário navega através de links altamente atraentes e que remetem a informações desconhecidas do público em geral.

Clicando em Joaquim Silvério dos Reis, por exemplo, pode-se travar conhecimento com um inusitado perfil biográfico deste obscuro personagem da história, bem como examinar a carta de delação na qual o traidor entrega Tiradentes. O golpe militar de 1964 é tratado sem meios tons. Fala-se francamente de tortura e repressão nos anos do regime militar, com uma sinceridade dificilmente vista nos bancos escolares em tempos de liberdade.

Goes afirma que Viagem pela História do Brasil é escrito tanto pela mão esquerda como pela mão direita. "Diríamos que a história contada pela direita valoriza os fatos individuais, enquanto a relatada pela esquerda retrata a opressão, a violência, e a má conduta das elites", explica Goes.

Outro aspecto notável desse projeto editorial da Companhia das Letras éo livro que acompanha o CD-Rom e funciona como uma espécie de resumo de seu conteúdo, mas que também pode ser comprado avulso, por R$ 23. Com 352 páginas e 405 ilustrações a cores, o livro com papel ultra-resistente se assemelha a esses guias turísticos e de auto-estradas para consulta rápida. Tudo em nome de uma roupagem atraente para o que já foi considerado aborrecido: a História do Brasil.

Àqueles que acreditam que sabem tudo, Goes pergunta: "Por que temos apenas um idioma em tamanha extensão territorial?" Sim, porque nem sempre foi assim. Até 1750, São Paulo não falava português, mas sim a língua geral, um idioma criado pelos jesuítas e baseado no tupi-guarani.

Goes vê na história do Brasil personagens que nada ficam a dever aos incensados heróis da Revolução Francesa. É o caso de José de Anchieta, José Bonifácio e do regente Feijó. "Mas o mais curioso é o Rabi Jacó, um judeu da comitiva dos holandeses que se transformou em índio antropófago e mantinha 50 mulheres. Ele foi acometido de obnubilação brasílica, condição descrita pelo historiador Alencar Araripe para definir os estrangeiros que, em meio à natureza tropical e ao sexo luxuriante, enlouqueciam", arremata.