Jornal da Tarde

Jornal da Tarde, 4 de junho de 1997

História do Brasil em versão multimídia

‘Viagem pela História do Brasil’, que tem versão em CD-ROM e livro, reúne imagens e sons para contar os quase 500 anos do país.

Ricardo Calil

O computador finalmente descobriu o Brasil. A Companhia das Letras está lançando esta semana Viagem pela História do Brasil, caixa com CD-ROM e livro organizada pelo jornalista Jorge Caldeira.

Segundo ele, a idéia de criar um CD-ROM sobre o assunto partiu de uma constatação simples: a história do país já não cabe mais em apenas um livro. No compact disc, há 2,5 mil telas e 2 mil ilustrações. No volume que o acompanha, e que também pode ser comprado separadamente, são 352 páginas e 400 imagens. Além disso, a versão informatizada apresenta vários temas adicionais — divididos em almanaques (informações gerais), biografias e documentos.

"O CD-ROM tem os recursos de narrativa ideais para recontar a trajetória de um país ao conjugar textos, sons e imagens", explica Caldeira. Em uma tela dedicada à bossa nova, por exemplo, pode-se ver uma foto de Tom Jobim e ouvir a canção Desafinado interpretada por João Gilberto. Em outra, sobre o barroco, há imagens de santos de Aleijadinho e música do período.

O próprio livro incorporou o espírito do CD-ROM: os textos são curtos, divididos em vários tópicos e quase sempre associados a alguma imagem. "O volume tem uma dupla função", afirma Caldeira. "Primeiro, servir de guia para utilizar o compact disc. Segundo, funcionar como obra autônoma para aqueles que não têm computador."

Caldeira teve a idéia de realizar um projeto sobre a história do Brasil logo após lançar, há dois anos, a biografia Mauá — Empresário do Império, que já vendeu 110 mil cópias. Junto com o economista Sergio Goes de Paula, decidiu recuperar uma idéia sobre a formação do País já esquecida pelos livros de história: a de que a ocupação do território brasileiro foi uma imensa aventura.

Com essa tese em mente, convocaram ainda o editor Claudio Marcondes e o especialista em computação gráfica Flavio de Carvalho. A empreitada logo assumiu proporções gigantescas. Em 2 anos de trabalho contínuo, uma equipe que chegou a contar com 19 pessoas consultou "dezenas de milhares de livros e documentos", segundo o organizador.

Ao final da pesquisa, chegou-se a outra constatação interessante: a história do Brasil já não cabe nem mais em um CD-ROM. Boa parte do trabalho foi descartado na edição final por pura falta de espaço — "fato raríssimo para um veículo que comporta tantas informações", diz Caldeira.

Projeto alia história e prazer

Jorge Caldeira diz que ‘Viagem pela História do Brasil’ é uma interpretação da história brasileira, e não uma obra de referência ou didática.

Embora a Viagem pela História do Brasil seja fruto de uma pesquisa extensiva e apresente em linguagem simples toda a formação do País, o organizador do projeto, Jorge Caldeira, garante que não se trata de uma obra de referência ou de um trabalho didático.

"Não é um almanaque ou uma tese acadêmica, e sim uma interpretação da história brasileira", afirma Caldeira. "Só que uma interpretação para ser descoberta com prazer. Apesar do rigor da pesquisa, tanto livro quanto CD-ROM podem ser apreciados como um romance, um vira-página. Os historiadores vão torcer o nariz porque não tem uma nota de rodapé", completa o jornalista, que garante não ter pensado em um público-alvo ao realizar o projeto.

Caldeira adverte porém, que o CD-ROM deve ser encarado como uma obra histórica. "Não há joguinho, não", ele garante, "nem outras obviedades do gênero."

Herança indígena

Além de uma "narrativa forte", Caldeira aponta outras diferenças em relação aos livros de história comuns. A Viagem pela História do Brasil começa com a ocupação do País pelos índios (e não com o "descobrimento" pelos portugueses, depois) e dá mais ênfase à herança cultural indígena — "infinitamente superior ao que se imagina", diz Caldeira.

A obra analisa o contato entre índios e europeus como uma relação dialética de "acordo versus dominação". Por um lado, a dominação branca se manifestava com a escravidão e os genocídios. Por outro, os acordos se faziam valer nos casamentos inter-raciais e na miscigenação. "Em geral, os livros de história só conseguem mostrar um desses lados — o que empobrece a visão do Brasil", diz Caldeira.

Segundo o organizador, a obra tem ainda o mérito de não se ater a um aspecto específico de interpretação da realidade brasileira. "Nos livros com uma visão econômica sobre a história, só se fala no ciclo da cana-de-açúcar no litoral durante o século 18. Na Viagem pela História do Brasil, descobre-se que também havia no sertão pecuária, mineração, drogas do sertão, e que o comércio dessas mercadorias integrava as diversas regiões do País naquele período."

Sociedade organizada

Para Caldeira, esse fato ajuda a derrubar a tese de que o Brasil nunca teve uma sociedade organizada. "Essa visão só beneficia o autoritarismo do Estado, que se delega o poder de arrumar a desordem", afirma. "Por isso, decidimos fazer uma história da organização da sociedade brasileira — e não uma história econômica ou política."

A obra tem, segundo Caldeira, um objetivo maior: mostrar que a história do Brasil, apesar de ser pobre em documentos, é rica em eventos. Ou seja: o País tem uma grande história, apesar da memória curta.