Zero Hora

Quarta-feira, 18 de junho de 1997 - Segundo caderno - CULTURA

Uma nação no território virtual

JERÔNIMO TEIXEIRA

A pergunta é mais ou menos aquela formulada em um rock banal,
e o cantor morreu de Aids: que país é este? Houve época em que
intelectual brasileiro que quisesse provar seu valor deveria agarrar,com as unhas teóricas que lhe competissem, esse touro esquivo. Romancistas, historiadores, sociólogos, antropólogos e poetas antropófagos nutriam essa ambição comum: descobrir a cara do país,as cores originais do trópico português. Essa busca de identidade animou, em maior ou menor grau, movimentos tão diversos no tempo, no espaço e nos resultados quanto o romantismo, o modernismo (em suas vertentes de esquerda e direita), o Romance de 30 e o tropicalismo.

Todo esse ímpeto parecia ultimamente um tanto fenecido, descontadas algumas obras pipocando aqui e ali – Dialética da Colonização, de Alfredo Bosi (que Paulo Francis qualificou de anacrônico...), e O Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro, por exemplo. Pois agora a cara do Brasil (ou, pelo menos, um pretenso esboço) chega às livrarias em CD-ROM. Viagem pela História do Brasil se vale dos recursos da multimídia para fazer uma colorida revisão da história do país, das sociedades indígenas pré-cabralinas à eleição indireta de Tancredo Neves para presidente em 1985. O projeto foi coordenado pelo jornalista Jorge Caldeira, autor da biografia Mauá, Empresário do Império. A idéia central e os textos são obra dele e do economista e historiador Sergio Goes de Paula. Para adaptar suas idéias ao formato do CD, a dupla contou com a colaboração do editor Claudio Marcondes e do especialista em informática Flavio de Carvalho.

Caldeira explica a opção pelo CD-ROM: “Se fôssemos fazer em papel, seria uma obra imensa, com mais de 1500 páginas de texto”. E o país que se apresenta em Viagem pela História do Brasil é
extremamente visual: “Buscamos uma iconografia que mostrasse a cara do brasileiro”. Uma versão em livro foi produzida, para alcançar o público que não tem computador. Mas é apenas um resumo do CD, com bem menos texto e imagem. Quem compra o CD, de qualquer forma, leva o livro junto – pode funcionar como uma espécie de guia, acredita o autor.

Viagem pela História do Brasil não é uma obra de referência, alerta Caldeira, ainda que o CD tradicionalmente se preste para tanto.
Todo o entorno publicitário, porém, sugere uma obra de referência.
Os textos na caixa com CD e livro destacam a facilidade de “consulta” da obra, e não mencionam o seu argumento. E o argumento, qual é?

“A história do Brasil geralmente é narrada do ponto de vista da organização do Estado, como se o Estado bastasse para explicar o país”, critica Caldeira. “Nós buscamos fazer uma história centrada na sociedade brasileira, que é mais rica e dinâmica que o Estado. E
retratamos as figuras menos lembradas da história – o tropeiro, o minerador etc.” De acordo com Caldeira, o dinamismo e a independência da sociedade em relação às determinações do Estado
têm início nos primórdios da colonização, quando o português, para sobreviver, teve de se associar às tribos indígenas do litoral. “A herança indígena para a cultura brasileira é infinitamente maior do que se imagina.”

Viagem pela História do Brasil, o CD, tem um texto principal dividido cronologicamente em 12 capítulos. No esquema tradicional de hipertexto, palavras marcadas em vermelho conduzem, com um clique de mouse, para textos acessórios, mapas, animações e biografias dos personagens. Todo o conteúdo do CD, garante Caldeira, está relacionado com o argumento. Isso explicaria algumas omissões. José de Alencar e Machado de Assis não aparecem nas biografias porque não há seções específicas de cultura, embora Gregório de Matos tenha até poemas reproduzidos – o “boca do inferno” seria o primeiro escritor brasileiro a se debruçar sobre o homem comum do Brasil-Colônia. Não há tampouco bibliografia no CD (o texto sobre Canudos sequer menciona Os Sertões, de Euclides da Cunha), pois ela seria, segundo o autor, muito extensa e especializada. Caldeira está pensando em deixar a bibliografia à disposição no site do projeto na Internet: www.historiadobrasil.com.br.


O QUE:
Viagem pela História do Brasil, de Jorge Caldeira, Flavio
de Carvalho, Claudio Marcondes e Sergio Goes de Paula.
CD-ROM para Windows e livro com 351 páginas. Companhia das
Letras, com apoio do banco BBA

QUANTO:
R$ 23 (só o livro) e R$ 65 (caixa com livro e CD)